quarta-feira, 3 de março de 2010

Neguinho do Samba morreu, mas o Brasil não viu.


Em 1992, uma “menina” baiana, franzina e de cabelos longos foi convidada a se apresentar no projeto Som do Meio Dia, no Museu de Arte de São Paulo (MASP). Modesta, esperava a presença de meras dezenas de pessoas, que foram chegando, chegando e chegando... até ultrapassarem o número de trinta mil. E a cantora baiana, até então sem significativa projeção nacional, parou a Meca do capitalismo latino-americano, a Avenida Paulista. O trânsito ficou tão congestionado que, após 40 minutos de show, a cantora foi retirada do palco por representantes da Secretaria de Turismo de São Paulo, que, preocupados com a estrutura do museu, obtiveram uma ordem da Polícia Militar para retirá-la do local.

A cantante que parou a Avenida Paulista era ninguém menos do que Daniela Mercury. E aquela data ficou marcada na história como “o dia em que uma baiana parou a Avenida Paulista”. Nem o coração financeiro da América Latina resistiu ao samba-reggae baiano.

Daniela Mercury é uma das maiores difusoras do estilo musical, tendo-o comparado, em termos de importância, à bossa nova. No disco “O Canto da Cidade” (1992) – um divisor de águas das músicas baiana e brasileira –, Daniela prestigia o ritmo em canções como O Canto da Cidade e O Mais Belos dos Belos (A Verdade do Ylê). É visível a presença do estilo nas canções de Ivete Sangalo, Cláudia Leitte, Margareth Menezes, Timbalada e das demais estrelas da música baiana, numa demonstração de que ele é o pai da axé music.

Se o samba-reggae deu visibilidade mundial à Bahia e ao Brasil, o Brasil não se deu conta da sua grandeza. Astros internacionais, como Michael Jackson, David Byrne, Paul Simon e Herbie Hancock (dentre outros) renderam-se ao ritmo criado por Antonio Luís Alves de Souza, mais conhecido como Neguinho do Samba, fundador da escola de percussão do Olodum e do bloco Didá. Neguinho modificou tambores para conseguir afinações e sonoridades diferentes, criando, a partir daí, o ritmo que sacudiu o mundo. Para alguns, a origem do estilo remonta aos anos 70, com o bloco afro Ilê Ayê, mas foi no carnaval de 1986 que o novo ritmo foi denominado, pela primeira vez, de “samba-reggae”, sob a regência de Neguinho do Samba no Olodum, banda que gravou, com Paul Simon, o CD The Rhythm of the Saints (1990), e, com Michael Jackson, o clipe da música They Don't Care About Us (1996).

Há alguns dias, Nelson Motta deu destaque ao samba-reggae em seu espaço semanal no Jornal da Globo. Adriana Calcanhoto disse que bossa nova e samba-reggae sempre lhe soaram como sendo a mesma coisa. Os Paralamas do Sucesso confessam que beberam da sua fonte, assim como a Nação Zumbi, ícone do mangue beat de Recife. Para o Ministro da Cultura, Juca Ferreira, Neguinho do Samba é “genial”. Para Caetano Veloso, ele é mais importante que o intelectual Lévi-Strauss. Para a mídia brasileira, Neguinho do Samba não dá audiência.

Neguinho do Samba morreu em 31 de outubro de 2009, vítima de uma parada cardíaca. A morte dele rendeu destaque no jornal nova-iorquino The New York Times, mas passou despercebida pela mídia brasileira, que, por não entender a importância do samba-reggae, não lhe deu o devido destaque.

Pelo visto, o Brazil conhece melhor o Brasil que o próprio Brasil.

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