quinta-feira, 15 de abril de 2010

Falando de amor


Testemunhei ontem uma das mais tocantes declarações de amor que já havia presenciado em toda a minha vida. Nem tanto pelas palavras, mas pelas circunstâncias em que foi feita e mais ainda pela natureza dos personagens – pai e filha, ambos pouco afeitos a manifestações ruidosas de carinho. A situação aconteceu na unidade de terapia intensiva de um grande hospital de Salvador, onde o pai, alvo da declaração de amor, se encontra internado.

Antes de tudo, é preciso falar um pouco dos dois protagonistas.

O pai, um bem-sucedido executivo, é daquele tipo de homem acostumado a mandar e a ter tudo sob controle. Ou quase tudo. É que, nas últimas semanas, ele tem enfrentado uma série de problemas de saúde, volta e meia tem que ser hospitalizado e não está conseguindo lidar com as limitações físicas momentâneas. Por conta disso, vem se mostrando irascível, impaciente, ríspido até.


A filha é também uma mulher superpoderosa. Fez uma sólida carreira na área jurídica e goza de alto conceito no meio acadêmico. Como o pai, sempre esteve em posições de destaque e de comando. Possui um séquito de subordinados e sempre costuma ser sua a última palavra em assuntos da maior relevância.

Muito parecidos, pai e filha nutrem admiração mútua. Um sempre se orgulhou muito do outro. Em mais de uma ocasião, o presenciei falar com indisfarçável orgulho da ascensão profissional dela. Também já a vi envaidecer-se por ele ser um nome de peso na sua área de atuação.

Mas, as semelhanças entre os dois, lamentavelmente, se repetem no campo das emoções. Não me lembro de ter presenciado uma manifestação de carinho entre eles. Nunca duvidei do amor que sentem um pelo outro, mas jamais os vi trocando afagos, a não ser em aniversários e festas de confraternização. A economia de afeto parece fazer parte do temperamento de ambos.

Por tudo isso, me emocionei sinceramente com a cena no hospital. Foi tudo muito rápido e talvez passasse despercebida de um espectador menos atento.

O episódio aconteceu lá pelo final da manhã, em meio à visita. Irritado e impaciente com a condição em que se encontrava, o paciente começou a desfiar uma série de queixas. Não se conformava em ficar na UTI, queria ir para um apartamento, reclamava da ausência do médico, da falta de roupas, da limitação no horário de visitas (apenas duas horas por dia, divididas entre os turnos matutino e vespertino). Com toda a paciência, a filha ia atendendo a cada uma das demandas, dentro do que lhe era permitido fazer. Nunca imaginei ver aquela mulher superpoderosa pegando um balde de lixo para que o pai escarrasse (e fez isso várias e várias vezes…) ou lavando a prótese dentária dele.

Em dado momento, aparentando certo desalento, por ver que nada parecia contentar o pai, a filha pergunta: “O que é que você quer que eu faça? Pode pedir. Eu faço o que você quiser”. Visivelmente surpreso, ele para e olha para ela por alguns instantes. É então que ela, com uma expressão triste e numa voz quase inaudível, deixa escapar, talvez de dentro da alma, a mais bela das declarações de amor filial:

- Não existe ninguém que goste mais de você do que eu. Pode até gostar igual, mas, mais do que eu, não tem…

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